quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Entre a IBM e a Microsoft


(publicado originalmente na revista Adiante no distante ano de 2007, ou 2006, sei lá)

Enquanto houver seres humanos dispostos a viver sob o conforto da água quente para o banho, do transporte motorizado, das lâmpadas que iluminam suas noites e das bugigangas eletrônicas vitais para o trabalho e o lazer, o mundo precisará de cada vez mais energia. De acordo com o relatório World Energy Outlook 2005, da Agência Internacional de Energia (AIE), a demanda energética mundial vai crescer 50% até o ano 2030. Se tudo continuar como hoje, os combustíveis fósseis ainda serão a principal fonte de energia, respondendo por 83% do total. Não por acaso, as emissões de gases de efeito estufa seguirão o mesmo rumo, aumentando em 52% nesse período. Ao apresentar o relatório, o próprio diretor-executivo da AIE, William C. Ramsay, reconheceu que esse não é um caminho sustentável.

Suprir o mundo de energia é uma escolha entre duas lógicas: buscar as fontes mais acessíveis e baratas, ignorando os impactos socioambientais que elas provocam e a finitude dos recursos naturais, ou reconhecer que a Terra é grande mas não é duas — portanto, é melhor aprender a usar melhor a energia já disponível e conter a voracidade dos que pedem sempre mais. No Brasil, as duas lógicas têm se materializado nos embates entre ambientalistas e representantes do setor elétrico, estes acusando aqueles de serem os arautos do apagão e os capitães do atraso econômico ao condenar a construção de novas hidrelétricas. Alegam que o país precisa crescer e, se não for à custa de eletricidade gerada pela água, será ao sabor dos combustíveis fósseis, com usinas termelétricas movidas a gás natural e a carvão mineral. Como se esse fosse o único caminho.

E como se o padrão atual de consumo de energia fosse uma espécie de determinação genética, ou um dom divino que não cabe aos homens mudar. Nascemos assim, fazer o quê? Fundamos nossa sociedade no desperdício energético, que mais nos resta a não ser a resignação e a construção de novas hidrelétricas na Amazônia ou em cima de florestas de araucárias no Rio Grande do Sul?

Ora, restam as fontes alternativas e a eficiência energética. Simples assim. A busca pelo uso mais racional da energia de que já dispomos não está restrita aos círculos ambientalistas. Em maio, uma parceria do Banco Mundial e do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) apresentou o relatório do Three Country EE Project (www.3countryee.org) , um estudo que visava encontrar meios de reduzir a emissão de gases de efeito estufa pela eficiência energética em três dos grandes emissores de hoje e de amanhã: Brasil, China e Índia. As conclusões foram resumidas por Robert Taylor, especialista em energia do Banco Mundial e líder do projeto: “aumentar a eficiência energética de prédios e outras infra-estruturas existentes poderia cortar o consumo atual de energia em mais de 25% na Índia, na China e no Brasil, chegando a uma redução de milhões de toneladas de gases de efeito estufa emitidos e centenas de milhões de dólares em economia de energia”.

O crescimento econômico não vem necessariamente acompanhado do aumento do uso de energia na mesma proporção. Nos Estados Unidos, hoje se usa 47% a menos de energia para gerar cada dólar do PIB do que em 1970. Idéias, projetos e cálculos para mostrar a viabilidade da eficiência energética não faltam pelo mundo afora. Um exemplo é o Instituto Rocky Mountain, uma ONG americana especializada em consultoria para eficiência energética. Com pequenas — e inteligentes — alterações na forma de se construir casas ou edifícios comerciais, a economia de energia poderia chegar a 90% em iluminação e ventilação ou a 60% em aquecimento ou resfriamento do ambiente. O Departamento de Energia dos Estados Unidos financia o projeto Zero Energy Homes, no qual o objetivo é projetar casas que consumam entre 90% e 100% a menos de energia do que uma tradicional. Com o uso de aparelhos extremamente eficientes, gás natural para calefação e energia solar para aquecer água e gerar energia elétrica, algumas dessas casas experimentais chegam a produzir mais energia do que consomem.

No Brasil, a organização não-governamental WWF, em parceria com a Unicamp (Universidade de Campinas) e a International Energy Initiative, apresentou em setembro o relatório Agenda Elétrica Sustentável 2020. A sustentabilidade do setor elétrico, diz o relatório, será alcançada com investimentos em dois caminhos: eficiência energética e fontes limpas ou renováveis, como eólica, solar (térmica e fotovoltaica), PCHs (pequenas centrais hidrelétricas) e biomassa. Dessa forma, em 2020 haverá redução de demanda de energia elétrica em até 38%. Essa economia equivale a evitar a construção de 60 usinas nucleares como Angra III, ou 14 hidrelétricas como Belo Monte, ou 6 hidrelétricas como Itaipu. A área inundada por lagos das hidrelétricas seria sete vezes menor do que o previsto. Além disso, R$ 33 bilhões seriam economizados das contas de eletricidade. Se as fontes alternativas e renováveis alcançarem 20% da matriz energética nacional em 2020, o país ainda leva o benefício da geração de 8 milhões de empregos. Para que essas metas sejam atingidas, são necessários instrumentos de políticas públicas como uma Lei de Eficiência Energética que estabeleça metas de eficiência, principalmente para indústrias, e ampliação do Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica).

As vozes do contra não tardaram a se levantar. Durante a apresentação do relatório, Maurício Tomalsquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (ligada ao Ministério de Minas e Energia), criticou a defesa da eficiência energética como modelo, segundo reportagem publicada no site O Eco. Tomalsquim atacou a premissa do relatório de que o consumo per capita do Brasil continuaria estável. Isso pressupõe também que o nível de vida dos brasileiros não vai melhorar, pois conforme cresce a renda, mais eletrodomésticos vão sendo somados à decoração da casa — hoje uma geladeira, amanhã um televisor, semana que vem um DVD. Talvez isso seja verdade em um mundo acostumado ao desperdício. Na Califórnia, entretanto, Estado americano pioneiro no enfrentamento dos problemas ambientais, o consumo per capita de energia está quase estável há 30 anos, enquanto no resto dos Estados Unidos aumentou em 50%.

Há apenas cinco anos, os cidadãos brasileiros também mostraram que é possível viver com o mesmo conforto e 20% a menos de eletricidade em seu cotidiano. Obrigados a fazer isso pelo racionamento de energia elétrica, correram a substituir lâmpadas incandescentes pelas fluorescentes, aposentaram geladeiras velhas e gastadoras e trocaram-nas pelas mais eficientes — reconhecidas imediatamente nas lojas pelas etiquetas do Inmetro e do Procel estampadas em suas portas. E se lembraram de apagar as luzes dos cômodos vazios. Na escassez, a mão pesada do governo não perdoou ninguém. Ou os consumidores aprendiam novos hábitos ou ficavam sem eletricidade, sem choro, com vela.

Novos hábitos como esses fazem bem não só aos consumidores, mas também ao país e aos recursos naturais preservados. Mudar a maneira de agir deve ser uma atitude acompanhada da mudança da maneira de pensar. Insistir nas mesmas fórmulas, só porque estão dando certo, pode ser um equívoco. E um prejuízo. Durante uma palestra em São Paulo, em agosto, Christopher Flavin, presidente do Worldwatch Institute, lembrou que, apesar de os combustíveis fósseis serem dominantes, o sujeito mais rico da China hoje é executivo de uma empresa de energia solar, a fonte de energia que mais cresce no mundo (cerca de 33% ao ano). “Quem você queria ser em 1980: a IBM ou a Microsoft? Queria dominar o mercado crescendo 5% ao ano ou ter 2% do mercado crescendo 30% ao ano?”, perguntou Flavin.

Buscar alternativas às grandes hidrelétricas, seja por meio de eficiência energética, seja pelo investimento em fontes alternativas e renováveis, não é condenar o Brasil ao atraso. Pode ser justamente o contrário.

domingo, 26 de abril de 2009

Se oriente, Juan


Dizia a música do Gilberto Gil: se oriente, rapaz, pela constatação de que a aranha vive do que tece. 

Tem gente que parece não saber o que está fazendo em determinado lugar. Gente que dá a impressão de que estava passando e entrou. Vejam isto:



Alguém avise esse tal Juan que futebol é um jogo feito de dribles, de criatividade. Avise que, quanto mais ginga, habilidade, inteligência e técnica um jogador tiver, e quanto mais ele demonstrar isso no campo, mais a torcida vai gostar. 

E não só a torcida. Vão gostar e aplaudir todos os seres humanos capazes de admirar a beleza e a arte, não importa a forma em que elas estiverem — seja em forma de pintura, de música, de poema, de um drible mágico de Pelé, de uma bola impossível colocada por Roger Federer.

Alguém avise esse tal Juan que, como jogador de futebol, também ele deveria viver de tecer essa arte em campo. E não de dar pauladas e ameaçar quem desfila essa arte diante dele. 

Alguém, por favor, arranje os videotapes de todos os jogos da Seleção Brasileira de 82 (em maiúsculas, por favor) e mostre a esse menino para ver se ele entende de que se trata esse futebol que ele escolheu como profissão (ele também pode ver os melhores momentos dos jogos no YouTube). 

Se oriente, rapaz.

sábado, 25 de abril de 2009

Eu ando


Esta semana cortei o cabelo. Curto, como há muito tempo. Pra usar todo desmanchado, como há algum tempo. Aí o cabelereiro comenta que esse tipo de cabelo está na moda.

É incrível. Não tenho a menor noção do que está na moda, seja em termos de roupas, cabelos ou maquiagem (por sinal, não uso maquiagem). Mas, de vez em quando, fico na moda, mesmo sem querer.

Eu não ando na moda. Eu ando. E às vezes a moda me alcança.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Propaganda de segunda


O que leva um jogador como Ronaldo a fazer propaganda de cerveja? E, pior, a comparar sua luta para voltar a jogar, depois de uma contusão gravíssima, ao suor de um copo gelado?





Isso numa época em que David Beckam não aceita mais fazer comercial para a Pepsi, por ser um produto não saudável.

O que leva um ídolo desse porte a se dizer "brameiro" em troca de um punhado de muitos reais? Será que precisa de dinheiro, muitos milhões de dólares depois de ter saído do subúrbio de Bento Ribeiro? Sei lá, pode ser que sim, essa crise financeira devastou algumas fortunas por aí. Vai ver que Ronaldo era um dos investidores de Bernard Madoff... E um cara como ele não é exatamente alguém que aplica dinheiro em caderneta de poupança.

Seja qual for o motivo, talvez o gesto de comemorar um gol cruzando os braços e esticando os dedos indicadores — e não os médios, como havia feito o corintiano Cristian — seja apenas mais um marketing para a cerveja. 

E Ronaldo, chamado de ex-jogador por um dirigente do São Paulo, saiu de campo dizendo aos microfones da Globo que esse dirigente era um babaca. 

Ele, um ídolo mundial, que vende sua história de dor, sofrimento e superação à comparação com um copo de cerveja.

É, Ronaldo, de babacas o espelho está cheio.


domingo, 8 de março de 2009

Questão de referências


Houve mais um assalto a um prédio de classe média alta em São Paulo, onde foram feitos reféns. A polícia chegou, cercou o prédio, os assaltantes se entregaram. A repórter Laura Capriglione, vizinha do prédio, relatou na Folha Online o que viu sobre o assalto, a perseguição da polícia e a reação dos moradores diante da confusão nas ruas. Em um trecho da matéria, um morador conta o que viveu:

"Eu estava assistindo o Big Brother quando tudo começou. Mas na rua estava muito melhor, isso sim é ação real, em 3D", comentava o rapaz, latinha de cerveja na mão, ao lado do carro da polícia em que um dos presos suava forte, embaçando os vidros: "Agora, para ele, vai virar 'Prison Break'", disse, referindo-se ao seriado americano de TV."

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Os outros


Ganhei uma camiseta no Natal. Ganhei de mim mesma. Nas costas, está impresso um poema de Manoel Affonso de Mello:

O homem não é
o que tem ou pode
é um pouco o que sabe
muito o que sonha
mas, acima de tudo
o que faz aos outros

Conheço gente que vai passar A VIDA sem entender isso. Na verdade, já passou.



sábado, 17 de janeiro de 2009

Kaká e o sacrifício


O Manchester City, como qualquer pessoa que acompanha futebol sabe, ofereceu um navio de dinheiro ao Milan pelo brasileiro Kaká. A cifra mais recente era de 243 milhões de libras esterlinas, ou quase 270 milhões de euros, ou cerca de 840 milhões de reais.

Talvez desse para salvar algum desses bancos falidos por aí com tanto dinheiro.

E ainda bem que a moeda italiana não é mais a lira. Nos tempos em que andei por lá, 1 dólar valia 1.300 liras, e 1.300 liras mal pagavam um café. A piadinha em relação aos cálculos de quantias em milhões de dólares era: 

—Trocentos milhões de dólares? Quantas liras dá isso? 

—Todas.

Voltando a Kaká, lê-se nos blogs e em colunas de jornal opiniões sobre o caso. Kaká afirma que ele não pensa só no dinheiro, que ele só vai para o City se o clube contratar outros grandes jogadores e formar um grande time, o que o permitiria disputar — e ganhar — títulos importantes. Fala-se que Kaká está diante do dilema de continuar em um lugar onde trabalha com prazer, e onde todos gostam dele, ou sair para uma aventura, para o desconhecido, em troca de muito dinheiro.

Não é apenas, porém, uma questão de trocar um bom lugar para trabalhar e uma cidade agradável por um salário maior. Seria assim se Kaká fosse, digamos, um jornalista, um bancário, um fulano qualquer que apenas recebe salário. Mas Kaká, como qualquer jogador de futebol, é um patrimônio do clube. E um patrimônio frágil, pois tem curta data de validade — alguns anos no auge da forma física — e só pode ser trocado por tantos milhões enquanto estiver no auge da forma técnica. Ronaldo, aquele, saiu do Milan pela porta dos fundos, lesionado, fora de forma e valendo alguns tostões.

Seria uma decisão simples se Kaká apenas fosse receber um salário maior no Manchester City e pesasse prós e contras disso. Mas, é o Milan que vai embolsar boa parte dos 270 milhões de euros. Isso significa quase o dobro da receita do clube na temporada 2006/07, que foi de 170 milhões de euros, segundo o último ranking Football Money League, da Deloitte Consulting (a propósito, não vi essa comparação em nenhuma matéria, os neurônios dos jornalistas esportivos ainda estão de férias). 

É um dinheiro que não será oferecido novamente por um jogador de futebol em muitos anos. Um dinheiro que o Milan jamais verá cair em seus cofres de uma vez só. Por isso, a decisão de Kaká não é pessoal, não é uma escolha que afetará apenas sua vida. Há um clube de futebol, um dos mais importantes do mundo, ávido por esse dinheiro. E essa é uma oportunidade única, pois, como qualquer coisa que possa ser trocada por dinheiro, Kaká só vale o que o mercado estiver disposto a pagar. E há um príncipe árabe louquinho para fazer isso.

Kaká pode ter o sonho de envelhecer no Milan. Só precisa saber se o Milan tem o sonho de vê-lo envelhecer lá ou de encher o cofre com sua venda. Sim, todo mundo no Milan o adora, ele é querido pelos companheiros, pelos donos do time, pela torcida. Entretanto, diante dessa oferta milionária, talvez o clube goste ainda mais dele se ele aceitar. 

Como se dissessem: "a gente gosta de você aqui, mas vai gostar mais ainda de você lá longe".

Talvez Kaká não queira ir para o Manchester City. A cidade é sem graça, o clube não tem tradição, ele não seria lá tão feliz quanto é em Milão. Mas, se ficar, continuaria a ser feliz no Milan? Qual o tamanho do retorno que Kaká teria de dar ao clube para compensar os 270 milhões de euros perdidos? Seria possível a um único jogador, por mais espetacular que seja, assumir a responsabilidade por fazer o time jogar bem e ganhar todos os títulos que disputa, se há mais dez em campo ao lado dele?

Qual o tamanho da cobrança sobre Kaká se ele ficar? Continuará a ser adorado e querido por todos, ou será olhado como o jogador que impediu o clube de embolsar um dinheiro absurdo apenas para satisfazer seus projetos pessoais? Continuará Kaká a ser feliz no Milan se for tratado como, digamos, um traidor?

É como o filho primogênito, ou algum ungido da aldeia, mandado ao sacrifício. Tem de morrer por uma causa maior — aplacar a ira dos deuses, salvar os outros dos pecados — para permitir que aquela comunidade continue a existir. 

Kaká tem de ir para onde talvez não queira para que o Milan ganhe uma quantia de dinheiro impensável e usufrua dela por muitos e muitos anos. Se ficar, pode talvez ser visto como o primogênito que se recusou ao sacrifício. Ou como o ungido que colocou seu projeto pessoal acima das necessidades da aldeia, em detrimento da sobrevivência de toda a comunidade que o venera.

Por isso, Kaká tem diante de si não apenas uma opção pessoal. Se for para o Manchester City, pode ser visto pela imprensa ou por quem está fora do Milan como um mercenário, que só pensa em dinheiro. Entretanto, se não for, pode ser visto dentro do Milan, que é a comunidade que o acolhe, como aquele que se recusou ao sacrifício, como um covarde, e cair em desgraça diante dessa mesma comunidade que hoje o venera.

Não é uma decisão fácil. Não tenho pena dele, pois não tenho pena de ninguém que dispõe de milhões de dólares para resolver seus problemas. Tenho pena é dos 4 bilhões de seres humanos deste planeta que não têm o mínimo necessário para viver com dignidade.

Mesmo assim, os ombros do Kaká nunca mais serão leves. Qualquer decisão que ele tome lhe pesará por muitos anos.


sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Desobediência lingüístico-civil


A quem interessar possa (a bem pouca gente, decerto), declaro que não vou aderir à nova reforma ortográfica. Não gostei. É inútil. A única coisa que presta nessa reforma é a extinção do trema, que ninguém usava mesmo, mas que mantive ali no título por uma questão de coerência.

As novas regras das palavras compostas foram feitas, como disse minha sobrinha de treze anos, por quem não tinha mais o que fazer. Se era pra mexer e tornar mais simples, que fosse de vez abolido o hífen. Mas, não: trocaram seis por meia dúzia, as palavras que tinham hífen agora não têm, algumas que não tinham agora passam a ter, e algumas ninguém tem a menor idéia se têm hífen ou não, pois a regra é confusa.

Como disse minha sobrinha, só vou me preocupar com novas regras ortográficas quando esse povo que não tinha mais o que fazer e resolveu mudar tudo aparecer com soluções para a fome no mundo, o aquecimento global, a guerra interminável no Oriente Médio etc.

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Chama o ladrão


Bela coluna da Míriam Leitão no Panorama Econômico (veja aqui). Dá os detalhes de reportagem publicada pelo The New York Times sobre a responsabilidade do governo Bush na inflação proposital da bolha imobiliária americana, sobre a qual apoiou-se seu governo. E sobre a irresponsabilidade do mesmo governo ao fechar os olhos às barbaridades do mercado financeiro, que simplesmente passou a inventar dinheiro, obviamente remunerando seus executivos com base nos lucros fictícios desse país das maravilhas.

A reportagem do Times está aqui

Entre os comentários da Míriam, a informação de que instituições que negociavam as hipotecas triplicaram a contribuição à campanha eleitoral de Bush. 

E não é que ninguém sabia que a bolha iria estourar, que ninguém viu o desastre chegando, que foi todo mundo pego de surpresa. Não só sabiam o que estava acontecendo, como sabiam o que estavam fazendo — tanto o governo quanto os que se lambuzaram nos lucros astronômicos gerados pela tal alavancagem dos créditos hipotecários. Em outras palavras, o dinheiro inventado como se estivessem brincando de Banco Imobiliário.

Cadeia era pouco para essa gente. Mas, não apenas estão soltos, como devem estar torrando os lucros comprando tudo bem baratinho, de barris de petróleo a mansões e ações na bolsa.


Toma que o mico é teu


Deu no The New York Times: a crise imobiliária americana está tornando mais difíceis os divórcios. A matéria completa está aqui

O problema é que, com a queda nos preços dos imóveis, há muita gente que deve mais do que vale a casa. Na hora da separação, a briga antes era para ver quem ficava com ela. Agora, é para ver quem fica com a dívida.

A matéria conta histórias de casais que simplesmente não têm mais dinheiro para se separar, pois a divisão não será de patrimônio, mas de papagaios. E não estamos falando de aves.

Cada coisa estranha que essa crise provoca.

Risque meu nome do seu caderno


No tempo do Orlando Silva, bastava isso. O mundo contemporâneo (não, eu não vou dizer pós-moderno), entretanto, é bem mais complicado. Agora é preciso excluir do Orkut, do MSN, apagar os torpedos do celular...

Um certo Ewerton Assunção fez até uma música: "Vou te excluir do meu orkut" (a letra está aqui). Lá pelas tantas, o sujeito diz: "não me mande mais scraps, nem emails, power point". A fulana mandava power point? Devia ter sido excluída antes. 


Voltei


Não foi um longo e tenebroso inverno. Mas, uma turbulenta primavera.


segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Santander quem?


O Banco Santander anunciou que vai manter a marca Banco Real no Brasil, ao contrário do que pretendia -- e do que sempre faz -- quando incorpora novos bancos ao seu carrinho de compras em qualquer país do mundo. Está aqui, no UOL. 

Diz a notícia que o Santander encomendou pesquisas de opinião com clientes e público externo e chegou à conclusão de que "a marca, construída com base na bandeira de sustentabilidade socioambiental, chega a ter mais apelo do que a do próprio Santander".

Não diga !!!!!! 

Acho que gastaram dinheiro à toa com a pesquisa. Basta ter vivido no planeta Terra nos últimos cinco anos, especialmente no Brasil, para ter percebido que responsabilidade socioambiental é muito mais do que marketing, greenwashing etc. Algumas empresas, de fato, incorporaram os princípios da responsabilidade social em sua gestão, em seus processos, em seu negócio. O Banco Real é uma das marcas mais fortemente associadas a esses princípios. É um banco que tem coragem de fazer propaganda dizendo que não basta ganhar dinheiro, se isso não for bom para toda a sociedade.

Quando o Real foi comprado pelo Santander, muitos amigos meus, jornalistas antenados com temas da responsabilidade social e da sustentabilidade, diziam que o Santander iria acabar com o Real, como sempre fazia nas incorporações. Eu questionava, alegando que eles não teriam coragem de matar uma marca tão fortemente associada a princípios que a sociedade começava a valorizar. Eu simplesmente não podia acreditar que daríamos tantos passos para trás nesse processo.

Desta vez, valeu a pena ser otimista, quase ingenuamente otimista. O Santander não vai matar o Banco Real porque não só seus clientes, mas a sociedade, não permite, ao valorizar a maneira de o Real fazer negócios. 

O Santander teve pelo menos a humildade de reconhecer isso e de mudar seus procedimentos de incorporação de marcas. E de perceber que vai ter de comer muita alface orgânica para chegar aos pés do Real.
 

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Welcome back


Por mais que são-paulinos, palmeirenses, santistas etc gostem de futebol, de fato nada é parecido com um corintiano. Não os das torcidas organizadas, pois esses me parecem ter mais paixão pelo grupo a que pertencem, por si mesmos, ou pela vaidade de pertencer a esses grupos, do que pelo time. 

Estou falando daquele povo que lotou o Pacaembu no sábado, 25 de outubro, para ver o Corinthians subir à Série A do Campeonato Brasileiro. Eu nem achei algo assim tão emocionante, o time não fez mais do que a obrigação. Emocionante mesmo, para mim, foi a volta do Palmeiras, uns cinco ou seis anos atrás (não lembro exatamente quando, esses detalhes apenas os cérebros masculinos conseguem armazenar). Naquela época, times grandes não caíam, pois sempre havia alguma armação para salvá-los do rebaixamento. Quando caíam, inventava-se alguma manobra de tapetão -- como criar um campeonato com clubes convidados ou classificar o campeão da segundona para a final, caso do São Paulo no campeonato paulista de 1990 (acho que foi nesse ano).

O Palmeiras jogou a segundona, classificou-se e voltou à primeira divisão. No jogo final, vários jogadores deram entrevistas, às lágrimas, valorizando o fato de terem conseguido voltar no campo, não no tapetão. Pareciam ter saído de uma travessia pelo deserto, onde purgaram os pecados, sofreram, mas o fizeram com honra, ética, dignidade, conquistando o direito de pertencer à elite do futebol no mérito, não na falta de escrúpulos. Sim, foi bonito.

Agora, jogar a segundona e voltar é normal. Já não tem a carga simbólica de abrir mão de privilégios e cumprir a lei, como deve acontecer nas democracias. É, portanto, uma viagem solitária, do time com sua torcida, percorrendo seu deserto particular, indo aos seus porões, resgatando nessa dor sua essência.

Para estes olhos são-paulinos, que escolheram torcer para esse time por causa do Telê e de sua compulsão pela beleza do jogo, isso é quase incompreensível. Para o corintiano, como aqueles flagrados pelas câmeras no Pacaembu encharcados em lágrimas de alívio, o futebol não é um espetáculo que dá graça à vida -- é a própria vida. 

Se o São Paulo perder, fico no máximo com raiva do time, do resultado, fico chateada e olhe lá. Para o corintiano, parece que o mundo fica cinza. É uma forma de viver e sentir o futebol que me escapa. 

Não sei se isso é uma bênção, ou se é maldição. Não sei se desprezo, ou se fico com inveja. Não sei se agradeço aos céus por não sentir o futebol dessa maneira, ou se tenho pena de mim por não ser capaz disso.

Nem mesmo compreendo o que seja isso. E não basta ir a um estádio e misturar-se à torcida para tentar entender. Seria preciso ver o futebol com os olhos de um corintiano.

Seria preciso. Seria possível?


terça-feira, 28 de outubro de 2008

Você está aqui


Ligado estava o Google Earth, ativado na camada "Clima" e na subcamada "radar", que mostra onde está chovendo (pelo menos no hemisfério Norte). Essa feature (como se diz "feature" em português?) provavelmente funciona conectada à internet e atualiza-se constantemente. Hoje, como a tranqueira que atende pelo nome de Speedy teve uma crise de identidade e achou que era um vaga-lume, o Google Earth saiu pelo mundo à procura dos dados, não os achou.

Deu nisto:




Um perigo esse X. Alvo perfeito para marcianos. 

E o que será que o X significa? Que é ali que se esconde o Bin Laden? Que é ali que mora o "mercado", esse ser amorfo e indefinível que se alimenta de bilhões fornecidos pelos bancos centrais dos países ricos? E de criancinhas dos países pobres?

 

Agora é tarde, Galvão


Ronaldo, o fenômeno, disse no programa "Bem Amigos" que a preparação da seleção brasileira para a Copa de 2006 foi "um circo" (vários trechos do programa aqui). Teve pelo menos a coragem de admitir sua parcela de culpa, ao se apresentar para disputar uma Copa do Mundo muitos quilos acima de seu peso. Ronaldo disse que aquilo foi uma bagunça, que a presença dos torcedores nos treinos atrapalhava etc etc etc.


No meio de uma das declarações de Ronaldo, a câmera corta rapidamente para Galvão Bueno, que o aplaude, meio timidamente.


Galvão Bueno não lê este blog, mas, se lesse: Galvão, agora é tarde. Durante a preparação para Copa e a disputa da própria, a Globo jamais criticou, jamais apontou essas evidentes falhas, foi conivente e coadjuvante desse clima de festa. É, é difícil falar mal de um produto que rende cotas de patrocínio tão altas.


As críticas, obviamente, só aparecem depois que o Brasil perde. Até os repórteres, que sempre entravam no ar sorrindo, como se aquilo fosse de alguma forma engraçado, passaram a apresentar reportagens com cara de luto. Chega a ser constrangedor, para quem assiste, ver tamanha falta de compostura jornalística.


É por isso que eu assisto ESPN Brasil.


E é por isso que eu prefiro ver o Brasil perder dez Copas como a de 82 do que ganhar uma como a de 94. Perder como em 2006, então, explica por que eu gosto de beisebol.



A Folha contou!


Folha de S. Paulo publicou hoje (28 de outubro) que os bancos estão comprando títulos públicos com o dinheiro extra liberado pelo governo para garantir a oferta de crédito. Na verdade, estão fazendo o que sempre fizeram.

Dizem os economistas que o mercado brasileiro tem pouca oferta de crédito. Isso porque os juros dos títulos públicos são muito altos, o que faz com que os bancos dirijam grande parte de seus recursos para eles. Isso faz com que o dinheiro disponível para os outros setores fique escasso, portanto mais caro, portanto com juros bastante altos — quem entra no cheque especial ou não paga a fatura total do cartão de crédito sabe bem disso.

E por que os juros dos títulos públicos são tão altos? Porque a dívida pública brasileira é enorme, e o governo precisa desses recursos privados para se financiar. Daí, não adianta reclamar, a cada divulgação de balanço, dos lucros bilionários dos bancos. Enquanto a dívida pública brasileira for gigantesca, e o governo precisar se financiar oferecendo títulos da dívida pública a juros tão altos, os bancos farão a festa. Operações de varejo — ou seja, o meu, o seu, o nosso rico dinheirinho —, para eles é troco.

Estranho é um jornal de grande circulação, como a Folha, “entregar” os bancos dessa maneira. O governo reduziu, por exemplo, o depósito compulsório, à espera que os bancos usassem esse dinheiro para conceder crédito, mas os bancos simplesmente foram garantir seus já polpudos lucros numa operação tremendamente segura — emprestar para o governo.

Não, ninguém quer que os bancos quebrem, até porque é lá que guardamos nosso rico (e pouco, mas honesto) dinheirinho. Mas, a imprensa normalmente é conivente com comportamentos assim, ou com ações especulativas, e não dá nomes aos bois. Na época da eleição de 2002, por exemplo, quando Lula começou a subir nas pesquisas, o “mercado” fez uma verdadeira chantagem com o país, levando o dólar a níveis estratosféricos sem a menor razão técnica para isso. Ninguém dizia quem comprava tantos dólares. Eu é que não fui, garanto.

Seria porque os mesmos que realizam essas operações, escondidos atrás do “mercado”, são as fontes dos jornalistas de Economia? Não sei. Mas, dá pra desconfiar.


sábado, 25 de outubro de 2008

Are you kidding, mister Meirelles?


Saiu hoje na Folha de S. Paulo uma matéria (aqui, no UOL) com a seguinte declaração do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, sobre a atual crise financeira mundial: "Não há dúvidas sobre ela [a crise econômica global]. Paremos de fazer piadas a respeito. É uma situação muito, muito séria".

Opa, pênalti! Os piadistas somos nós?

A mim, parece brincadeira que alguém hipoteque sua casa para gastar esse dinheiro em jipes beberrões de gasolina ou comprando alucinadamente nos shoppping centers, como fizeram os americanos. Isso em um país que, apesar de ter apenas 5% da população mundial, abocanha 25% da energia consumida no planeta. E que tem um padrão de consumo que usa quatro vezes mais recursos naturais do que a Terra consegue repor.

É uma gracinha também outro dado citado na matéria da Folha: o dinheiro que circulou no mercado financeiro em 2006 era 200% superior ao PIB mundial. Uma quantidade de papel duas vezes superior às riquezas produzidas. Como eu disse em outro post ali embaixo, brincavam de Banco Imobiliário, comprando e vendendo casinhas com dinheiro inexistente. Acho que isso pertence à categoria de ficção humorística.

Quando a brincadeira acaba, esses que lucraram bilhões com a ciranda-cirandinha financeira não podem sofrer, pois é o dinheiro deles que garante que a roda financeira continue girando. Assim, trilhões saem debaixo dos colchões dos bancos centrais dos países ricos (e de alguns emergentes) para assegurar que eles não fiquem nervosos, que fiquem bem calminhos para voltar a brincar de roda. É melhor não fazer contas para calcular o que esse dinheiro representaria na melhora de qualidade de vida -- ou simplesmente possibilitando a sobrevivência -- de milhões de habitantes dos países pobres. E não estamos falando em doação, estamos falando em investimentos em infra-estrutura, recuperação de áreas agrícolas degradadas, criação de mercados locais... Melhor não fazer essas contas, ou começaremos a chorar de rir.

Instalada a crise, em vez de os investidores fugirem de seu epicentro, é pra lá que correm. Como já não sabem mais onde botar o dinheiro em lugares que garantam lucro fácil e rápido, porque agora tudo é incerteza, compram títulos do Tesouro americano. Por quê? Por que os Estados Unidos não vão quebrar. Por que não vão? Porque o próprio mercado não deixa. Ah, tá. É como aquele moleque chato, que azucrina a família inteira no almoço de domingo, chuta a canela dos adultos, bate nas crianças, faz escândalo e joga o prato no chão, come toda a sobremesa e não leva nenhuma reprimenda. Um mimado, um intocável que grita o tempo todo "eu quero, eu quero, eu quero" e todos lhe satisfazem os caprichos. Que fofo...

E os piadistas somos nós? Ora, doutor Meirelles, não me faça rir.

Pensem pequeno, senhores

Este artigo foi publicado na revista Adiante e no site do Instituto Ethos em 10 de julho de 2007.

De tão velha, essa discussão tediosa deveria provocar bocejos na platéia, mas incrivelmente ainda desperta polêmicas, reações raivosas, faz rolar cabeças, ocupa as páginas dos jornais e as telas de televisão. Irritado com a demora na concessão das licenças ambientais às usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva esperneou contra o Ibama, jogou a culpa no bagre e acusou ambientalistas e similares de emperrarem o crescimento econômico do país por falta de oferta de energia elétrica. E mais: ameaçou apelar para usinas termelétricas a carvão — a concretude do mal em emissão de poluentes e de gases de efeito estufa — e ressucitar Angra 3, botando mais energia nuclear no mapa brasileiro. Em resumo, entra em cena novamente o velho e falso dilema entre conservação de recursos naturais — ou a opção pela sustentabilidade — e o desenvolvimento econômico.

A alegação de Lula e da turma governista é a de que as hidrelétricas do Rio Madeira, a serem instaladas no meio da Amazônia, são necessárias para que se cumpram as metas do Programa de Aceleração do Crescimento. Jogam a sociedade contra a parede e a obrigam a escolher entre o ruim e o pior, sob pena da condenação ao atraso e à pobreza. De um lado, hidrelétricas caríssimas (custarão por volta de R$ 25 bilhões), de alto impacto ambiental, instaladas literalmente no meio do mato e bem longe do mercado consumidor situado mais ao centro e ao sul do país, o que vai exigir também longas e caras linhas de transmissão de energia. De outro, as poluentes termelétricas a carvão ou a temerosa usina nuclear. Uma ladainha com cheiro de chantagem que a imprensa escrita, falada e televisada docilmente e monocordicamente reproduz sem questionar, como se não houvesse outras opções.

Algumas hidrelétricas na Amazônia foram uma insanidade admitida até por Lula. Balbina, por exemplo, alagou uma imensa área para produzir relativamente pouca energia e, segundo alguns pesquisadores, emite uma quantidade estupenda de metano (poderoso gás de efeito estufa) vindo da decomposição da floresta submersa. Hoje, usinas no meio do mato seriam um luxo. Como diria aquela propaganda do cartão de crédito para ricos, “precisar, não precisa”, mas duas hidrelétricas ali seriam obras danadas de bonitas, caras, imponentes, permitiriam belíssimas imagens para ser usadas durante várias campanhas eleitorais. A inauguração? Um espetáculo com palanque, claque, discurso.

Feitas as contas, por gente que costuma fazer contas, percebe-se que Santo Antônio e Jirau são dispensáveis. Em entrevistas à imprensa, Célio Bermann, professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo, afirmou que a repotenciação (troca de turbinas e geradores) de cerca 70 usinas hidrelétricas com mais de 20 anos aumentaria a capacidade de geração em 8 mil MW, energia suficiente para atender em torno de 60% da demanda prevista para PAC. O resto poderia vir da diminuição das perdas nas linhas de transmissão, que chegam a 15%. O estudo de Bermann sobre repotenciação das hidrelétricas já tem alguns anos e nunca foi desmentido, nem contestado. Só ignorado pelos governos, que fazem ouvidos moucos a esses tipos de cálculos.

Essa gente que costuma fazer contas prolifera em universidades, ONGs, institutos de pesquisa e volta e meia publica relatórios sobre seus achados. Um deles é o Three Country EE Project, publicado pelo Banco Mundial e pelo PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente). O estudo tinha o objetivo de encontrar jeitos de reduzir a emissão de gases de efeito estufa, por meio de eficiência energética, nos três países emergentes que estão entre os maiores poluidores atualmente: Brasil, Índia e China. A conclusão é que a eficiência traria redução no consumo de energia em mais de 25% nesses países.

Outro relatório chama-se Agenda Elétrica Sustentável 2020, feito pela WWF em parceria com a Unicamp e a Intenational Energy Initiative. Diz que o caminho da sustentabilidade no setor elétrico passa por investimentos em eficiência energética e em fontes limpas e renováveis, como eólica, PCHs (pequenas centrais hidrelétricas), biomassa e solar (térmica e fotovoltaica). Assim, haveria redução da demanda por eletricidade em 38% até 2020, o que equivale a deixar de construir 6 usinas como Itaipu. Para completar, o [R]evolução Energética, apresentado pelo Greenpeace, desenha o mesmo cenário — e nem poderia ser diferente —, mostrando como os países podem se desenvolver economicamente até 2050 usando fontes de energia mais limpas e renováveis. Mas, para isso, é preciso reduzir os subsídios aos combustíveis fósseis e incentivar programas de eficiência energética.

Informações sobre os melhores caminhos a seguir não faltam. O entrave a percorrê-los é que eficiência energética e fontes alternativas e limpas não geram grandes obras, contratos milionários, placa de inauguração, palanque, platéia nem oportunidades para o presidente da ocasião fazer discurso e aparecer no Jornal Nacional. As fontes alternativas são normalmente pulverizadas em pequenas iniciativas. A geração de eletricidade a partir da queima do bagaço de cana, por exemplo, é dispersa em cada usina produtora de álcool. 

Outro exemplo é a possível substituição do chuveiro elétrico — uma aberração responsável por cerca de 30% do consumo doméstico de eletricidade — por aquecedores solares. Não há usinas de energia solar nem redes de distribuição, pois ela é produzida diretamente por coletores instalados no telhado das residências ou prédios. Em Belo Horizonte, o aquecimento solar virou moda, a ponto de valorizar casas e apartamentos que o possuem. Em São Paulo, acaba de ser aprovado na Câmara Municipal um projeto de lei obrigando o emprego do aquecimento solar em empreendimentos comerciais que usam muita água, como hotéis, hospitais ou escolas, e em residências com mais de três banheiros. A gritaria do contra, é claro, já começou.

Os donos do poder político e econômico preferem a centralização, como mostra o exemplo do projeto de transposição do Rio São Francisco. Vários especialistas já cansaram de publicar artigos e de dar entrevistas avisando que a transposição não vai acabar com a escassez de água no semi-árido nordestino. Servirá, sim, para levar água a grandes fazendas. Para metade da população mais atingida pela seca, entretanto, não sobrarão nem respingos. Os mesmos especialistas também dizem sempre que não há falta de água no Nordeste, há má gestão dos recursos hídricos. E, para matar a sede da população, é bem mais eficiente construir cisternas para armazenar água da chuva do que gastar bilhões de reais na transposição.

Um exemplo de como soluções pequenas podem mudar a vida das pessoas foi mostrado no programa Globo Rural, em maio. No Vale do Jequitinhonha (MG), uma das regiões mais pobres do Brasil e parte do semi-árido, a água da chuva cai forte sobre a terra desmatada desde o tempo do garimpo e carrega os sedimentos nas enxurradas morro abaixo, provocando erosão e assoreando os rios. Há dez anos, o agrônomo Luciano Cordoval, da Embrapa Milho e Sorgo, levou para lá uma técnica de construção de mini-açudes adaptados ao cerrado e ao semi-árido.

Chamados de barraginhas, os reservatórios cavados nos sítios dos pequenos agricultores ajudam a reter a água da chuva, recompondo os lençóis freáticos e proporcionando ao solo umidade suficiente para garantir as lavouras. Oitenta mil barraginhas depois de iniciado o projeto, os agricultores conseguem plantar e colher para seu próprio sustento, além de vender o excedente nas feiras locais. Cada barraginha custa 100 reais e sua construção é financiada por parcerias entre prefeituras, Igreja Católica e doações de empresas.

Pensar pequeno e adotar medidas simples e baratas não traz soluções apenas a países pobres como o Brasil. Até os ricos estão começando a enveredar por elas. Em fevereiro, a Austrália — que não ratificou o Protocolo de Kyoto — anunciou que vai substituir no país todas as lâmpadas incandescentes por fluorescentes até 2010. Embora um pouco mais caras, as lâmpadas fluorescentes duram dez vezes mais e consomem quatro vezes menos energia. Dois meses depois, o Canadá também prometeu acabar com as lâmpadas incandescentes até 2012. Alguns Estados americanos e vários países europeus estão desenvolvendo programas ou projetos de lei para seguir o mesmo caminho. A matriz energética da Austrália é considerada suja, pois a geração de eletricidade é fortemente baseada nas termelétricas a carvão mineral, o pesadelo da emissão dos gases de efeito estufa. Se todo o mundo seguisse o exemplo australiano, calcula-se que a economia de energia permitiria o fechamento de 270 termelétricas a carvão.

Ou seja, a iniciativa banal de substituir lâmpadas perdulárias por outras mais eficientes é uma poderosa aliada no combate a um gigantesco problema de escala mundial — o aquecimento global. Empresas envolvidas nesse mercado também estão entrando no jogo. A Philips já avisou que pretende deixar de produzir lâmpadas incandescentes até 2016, enquanto outras grandes fabricantes, como General Electric e Osram Sylvania, investem em projetos para substituí-las por fluorescentes. O Wal-Mart, maior varejista do mundo, tem um programa para duplicar a venda de lâmpadas fluorescentes em suas lojas.

No Brasil, as empresas do setor energético têm dinheiro sobrando para investir. Se não for em hidrelétricas, será em termelétricas — a carvão, já que não há gás natural que chegue para tanto. Os altíssimos custos ambientais e sociais, os interesses da sociedade e a preocupação com a sustentabilidade não são levados em conta nessa equação, em que o importante para as empresas é ocupar mercado e gerar lucro. Associar o lucro à sustentabilidade das próprias empresas e do planeta ainda é conversa para o futuro. Até lá, pelo menos os governos poderiam botar o pé um pouco mais para o lado de cá, incentivando também as pequenas soluções. Provavelmente esses governos perderiam as próximas eleições, mas ganhariam um lugar na História por ter a coragem de tomar as decisões mais adequadas para a sociedade de hoje e para os que ainda vão nascer.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

É o circo de novo

Sim, a atuação da polícia no caso do seqüestro em Santo André foi desastrosa. Foi tudo muito mal conduzido e a imprensa não questiona, como deveria, as estratégias e táticas adotadas, como comenta o observador da imprensa Luciano Martins no Observatório da Imprensa no Rádio (aqui). (Pós-escrito: a coluna semanal dele também comenta o assunto, aqui).

Apenas uns pitacos em relação à negociação com o seqüestrador. A polícia está preparada para lidar com, digamos, criminosos, como um sujeito que invade uma residência para assaltá-la, é surpreendido pela polícia e usa reféns para se proteger, para garantir sua saída sem ser morto, etc. Mas, a polícia está preparada para lidar com alguém em surto psicótico, ou descompensado emocionalmente, como o seqüestrador deste caso? E cabe à polícia julgar, ou seja, decidir não atirar nele, pois é apenas um jovem com uma desilusão amorosa? Só que o jovem com desilusão amorosa está em surto e pondo em risco a vida de duas adolescentes sem chance de defesa. Mesmo assim, merece ser mais protegido do que as duas adolescentes?

Voltando à imprensa. O Observatório da Imprensa publicou hoje um artigo que é uma colagem de comentários questionando a atuação principalmente das tevês na cobertura do caso. Os comentários perguntam se a imprensa não é capaz de fazer uma reflexão sobre isso. Está aqui.

Mais uma vez um seqüestro virou espetáculo, o seqüestrador foi transformado em estrela, deu entrevistas à TV, a primeira ao programa da Sonia Abrão. A mesma que passa meses discutindo o Big Brother, quando o programa está no ar.

Não se trata apenas de uma cobertura boa ou mal feita. É uma questão de interferência em um processo que bem ou mal estava sendo conduzido por quem tem a autoridade social para isso. Cabe à imprensa se meter dessa maneira? A que ponto entrevistar um seqüestrador muda o rumo da história, já que um policial falou que, depois da entrevista, o cara começou a "se achar"?

No documentário “Ônibus 174”, lá pelas tantas alguém fala que a presença da imprensa foi determinante, pois alterou o comportamento do seqüestrador. E da polícia, é claro. Há uma entrevista com um policial (do BOPE, se bem me lembro) dizendo que era possível atirar no seqüestrador, mas isso não ficaria bem ao vivo, na TV. Seria chocante demais, pois iria voar sangue e massa encefálica. O filme pode ser visto no Google vídeo. A entrevista com o policial pode ser vista aos dois minutos da segunda parte, aqui.

O comandante da operação em Santo André disse que, se um atirador de elite tivesse matado o seqüestrador, a imprensa estaria hoje questionando essa decisão. Ou seja, parece que a polícia não tomou as decisões necessárias — ou talvez tenha tomado decisões influenciada demais pelo que iriam dizer a imprensa, ou o governador, ou o povo reunido em volta do prédio etc.

Entrevistar seqüestrador é furo ou irresponsabilidade? A sociedade deu permissão institucional à imprensa para se meter em negociações em que pessoas correm risco de vida, ameaçadas por outros portando armas? E, quando o desfecho é trágico, esses que ora discutem o Big Brother, ora falam com seqüestradores em claro estado de desequilíbrio emocional, simplesmente tiram o corpo fora dizendo que estavam fazendo seu trabalho?

Qual trabalho, cara pálida?

domingo, 19 de outubro de 2008

Eles brincam de Banco Imobiliário e nós pagamos a conta

Estamos na era da transparência, da comunicação da sustentabilidade. Diz um amigo meu que o canal mais avançado, ou evoluído, ou desenvolvido de comunicação com stakeholders é o da relação com acionistas, com investidores. 

Será? Será que os acionistas da Aracruz e da Sadia concordam? E todas essas empresas estão no ISE, o Índice de Sutentabilidade Empresarial da Bovespa !! Como diria o Silvio Luiz, o que é que o ISE vai dizer lá em casa! E os 2 bilhões perdidos pela Votorantim? Como é que a diretoria financeira de empresas daquele tamanho, e de capital aberto, arriscam os ativos da empresa em operações financeiras obscuras? Se o Conselho sabia, os acionistas, não. 

Transparência, assim, nem lá em Tucuruvi.

E mais. Eu até hoje não entendo o mercado financeiro, não sei o que é derivativo e tenho apenas uma vaga idéia do que sejam hedge funds. Mas, pelo que li, estou tentando entender como o mercado financeiro pode simplesmente evaporar mediante o calote de tomadores de empréstimos imobiliários.

Pelo que entendi, não é apenas o fato de que o manezinho americano -- o johnnyzinho, portanto -- não conseguiu pagar o empréstimo porque os juros começaram a subir. Se fosse só isso, o johnnyzinho devolveria a casa pro banco, mais ou menos como acontece aqui, e isso talvez depreciasse o preço dos imóveis a níveis aceitáveis.

Mas, parece que esse crédito, digamos essa promissória, esse papagaio, era passado adiante para outro banco, e valendo mais. Esse outro banco passava ainda adiante, valendo mais um pouquinho. O quarto banco achava -- ou fingia que achava -- que tinha um papagaio de 200 mil dólares na mão, quando o valor original era, sei lá, 50 mil. Só que esses supostos 200 mil dólares já estavam garantindo sei lá o quê de 300 mil, ou o dono disso acreditava que tinha essa quantia de dinheiro na mão.

Quando o johnnyzinho não pagou, o papel voltou ladeira abaixo, valendo menos que os 50 mil original. Foi esse o mecanismo da evaporação da riqueza do mercado? Porque, se for, gostei da brincadeira. Os caras estavam jogando Banco Imobiliário, ou seja, comprando e vendendo casinhas, terrenos, empresas, investindo em ações etc com dinheiro de mentira. 

Aí, penso: como alguém pode perder o que não tinha? Sim, porque esses trilhões que a imprensa diz que evaporaram eram papéis que todo mundo sabia que não tinham lastro. Papeizinhos tão verdadeiros quanto o dinheiro do Banco Imobiliário -- que só tem valor enquanto dura a brincadeira...

E, apesar das tentativas dos bancos centrais nos EUA e alguns países da Europa de socorrer o mercado, o mercado se finge de morto. Não ressucita. Tudo o que a imprensa diz é que "falta confiança". Confiança de quem em quê?

Não sei. Ninguém diz. Só sei que, semana passada, o Jornal Hoje passou uma matéria da Sonia Bridi, em Paris. Ela entrevistou não sei que economista e o cara disse o seguinte: os grandes bancos não estão emprestando aos pequenos porque estão esperando que eles quebrem, para comprá-los a preço de banana. Isso não passou no Jornal Nacional.

Falta de confiança do "mercado" no próprio "mercado", porque sabe que lá tem mais coisas podres do que no reino da Dinamarca? Não sei. Não consigo saber por meio da imprensa.

O que eu queria ver era alguém entrevistar o "mercado". Nunca vi. Não sei quem é o "mercado", esse ser tão sensível, tão nervoso, tão mimado, que tem de ser acalmado e agradado a toda hora. Deve ser primo do HAL, do 2001-Uma Odisséia no Espaço, porque parece que não é humano.