segunda-feira, 20 de outubro de 2008

É o circo de novo

Sim, a atuação da polícia no caso do seqüestro em Santo André foi desastrosa. Foi tudo muito mal conduzido e a imprensa não questiona, como deveria, as estratégias e táticas adotadas, como comenta o observador da imprensa Luciano Martins no Observatório da Imprensa no Rádio (aqui). (Pós-escrito: a coluna semanal dele também comenta o assunto, aqui).

Apenas uns pitacos em relação à negociação com o seqüestrador. A polícia está preparada para lidar com, digamos, criminosos, como um sujeito que invade uma residência para assaltá-la, é surpreendido pela polícia e usa reféns para se proteger, para garantir sua saída sem ser morto, etc. Mas, a polícia está preparada para lidar com alguém em surto psicótico, ou descompensado emocionalmente, como o seqüestrador deste caso? E cabe à polícia julgar, ou seja, decidir não atirar nele, pois é apenas um jovem com uma desilusão amorosa? Só que o jovem com desilusão amorosa está em surto e pondo em risco a vida de duas adolescentes sem chance de defesa. Mesmo assim, merece ser mais protegido do que as duas adolescentes?

Voltando à imprensa. O Observatório da Imprensa publicou hoje um artigo que é uma colagem de comentários questionando a atuação principalmente das tevês na cobertura do caso. Os comentários perguntam se a imprensa não é capaz de fazer uma reflexão sobre isso. Está aqui.

Mais uma vez um seqüestro virou espetáculo, o seqüestrador foi transformado em estrela, deu entrevistas à TV, a primeira ao programa da Sonia Abrão. A mesma que passa meses discutindo o Big Brother, quando o programa está no ar.

Não se trata apenas de uma cobertura boa ou mal feita. É uma questão de interferência em um processo que bem ou mal estava sendo conduzido por quem tem a autoridade social para isso. Cabe à imprensa se meter dessa maneira? A que ponto entrevistar um seqüestrador muda o rumo da história, já que um policial falou que, depois da entrevista, o cara começou a "se achar"?

No documentário “Ônibus 174”, lá pelas tantas alguém fala que a presença da imprensa foi determinante, pois alterou o comportamento do seqüestrador. E da polícia, é claro. Há uma entrevista com um policial (do BOPE, se bem me lembro) dizendo que era possível atirar no seqüestrador, mas isso não ficaria bem ao vivo, na TV. Seria chocante demais, pois iria voar sangue e massa encefálica. O filme pode ser visto no Google vídeo. A entrevista com o policial pode ser vista aos dois minutos da segunda parte, aqui.

O comandante da operação em Santo André disse que, se um atirador de elite tivesse matado o seqüestrador, a imprensa estaria hoje questionando essa decisão. Ou seja, parece que a polícia não tomou as decisões necessárias — ou talvez tenha tomado decisões influenciada demais pelo que iriam dizer a imprensa, ou o governador, ou o povo reunido em volta do prédio etc.

Entrevistar seqüestrador é furo ou irresponsabilidade? A sociedade deu permissão institucional à imprensa para se meter em negociações em que pessoas correm risco de vida, ameaçadas por outros portando armas? E, quando o desfecho é trágico, esses que ora discutem o Big Brother, ora falam com seqüestradores em claro estado de desequilíbrio emocional, simplesmente tiram o corpo fora dizendo que estavam fazendo seu trabalho?

Qual trabalho, cara pálida?

Nenhum comentário: