sábado, 25 de outubro de 2008

Pensem pequeno, senhores

Este artigo foi publicado na revista Adiante e no site do Instituto Ethos em 10 de julho de 2007.

De tão velha, essa discussão tediosa deveria provocar bocejos na platéia, mas incrivelmente ainda desperta polêmicas, reações raivosas, faz rolar cabeças, ocupa as páginas dos jornais e as telas de televisão. Irritado com a demora na concessão das licenças ambientais às usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva esperneou contra o Ibama, jogou a culpa no bagre e acusou ambientalistas e similares de emperrarem o crescimento econômico do país por falta de oferta de energia elétrica. E mais: ameaçou apelar para usinas termelétricas a carvão — a concretude do mal em emissão de poluentes e de gases de efeito estufa — e ressucitar Angra 3, botando mais energia nuclear no mapa brasileiro. Em resumo, entra em cena novamente o velho e falso dilema entre conservação de recursos naturais — ou a opção pela sustentabilidade — e o desenvolvimento econômico.

A alegação de Lula e da turma governista é a de que as hidrelétricas do Rio Madeira, a serem instaladas no meio da Amazônia, são necessárias para que se cumpram as metas do Programa de Aceleração do Crescimento. Jogam a sociedade contra a parede e a obrigam a escolher entre o ruim e o pior, sob pena da condenação ao atraso e à pobreza. De um lado, hidrelétricas caríssimas (custarão por volta de R$ 25 bilhões), de alto impacto ambiental, instaladas literalmente no meio do mato e bem longe do mercado consumidor situado mais ao centro e ao sul do país, o que vai exigir também longas e caras linhas de transmissão de energia. De outro, as poluentes termelétricas a carvão ou a temerosa usina nuclear. Uma ladainha com cheiro de chantagem que a imprensa escrita, falada e televisada docilmente e monocordicamente reproduz sem questionar, como se não houvesse outras opções.

Algumas hidrelétricas na Amazônia foram uma insanidade admitida até por Lula. Balbina, por exemplo, alagou uma imensa área para produzir relativamente pouca energia e, segundo alguns pesquisadores, emite uma quantidade estupenda de metano (poderoso gás de efeito estufa) vindo da decomposição da floresta submersa. Hoje, usinas no meio do mato seriam um luxo. Como diria aquela propaganda do cartão de crédito para ricos, “precisar, não precisa”, mas duas hidrelétricas ali seriam obras danadas de bonitas, caras, imponentes, permitiriam belíssimas imagens para ser usadas durante várias campanhas eleitorais. A inauguração? Um espetáculo com palanque, claque, discurso.

Feitas as contas, por gente que costuma fazer contas, percebe-se que Santo Antônio e Jirau são dispensáveis. Em entrevistas à imprensa, Célio Bermann, professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo, afirmou que a repotenciação (troca de turbinas e geradores) de cerca 70 usinas hidrelétricas com mais de 20 anos aumentaria a capacidade de geração em 8 mil MW, energia suficiente para atender em torno de 60% da demanda prevista para PAC. O resto poderia vir da diminuição das perdas nas linhas de transmissão, que chegam a 15%. O estudo de Bermann sobre repotenciação das hidrelétricas já tem alguns anos e nunca foi desmentido, nem contestado. Só ignorado pelos governos, que fazem ouvidos moucos a esses tipos de cálculos.

Essa gente que costuma fazer contas prolifera em universidades, ONGs, institutos de pesquisa e volta e meia publica relatórios sobre seus achados. Um deles é o Three Country EE Project, publicado pelo Banco Mundial e pelo PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente). O estudo tinha o objetivo de encontrar jeitos de reduzir a emissão de gases de efeito estufa, por meio de eficiência energética, nos três países emergentes que estão entre os maiores poluidores atualmente: Brasil, Índia e China. A conclusão é que a eficiência traria redução no consumo de energia em mais de 25% nesses países.

Outro relatório chama-se Agenda Elétrica Sustentável 2020, feito pela WWF em parceria com a Unicamp e a Intenational Energy Initiative. Diz que o caminho da sustentabilidade no setor elétrico passa por investimentos em eficiência energética e em fontes limpas e renováveis, como eólica, PCHs (pequenas centrais hidrelétricas), biomassa e solar (térmica e fotovoltaica). Assim, haveria redução da demanda por eletricidade em 38% até 2020, o que equivale a deixar de construir 6 usinas como Itaipu. Para completar, o [R]evolução Energética, apresentado pelo Greenpeace, desenha o mesmo cenário — e nem poderia ser diferente —, mostrando como os países podem se desenvolver economicamente até 2050 usando fontes de energia mais limpas e renováveis. Mas, para isso, é preciso reduzir os subsídios aos combustíveis fósseis e incentivar programas de eficiência energética.

Informações sobre os melhores caminhos a seguir não faltam. O entrave a percorrê-los é que eficiência energética e fontes alternativas e limpas não geram grandes obras, contratos milionários, placa de inauguração, palanque, platéia nem oportunidades para o presidente da ocasião fazer discurso e aparecer no Jornal Nacional. As fontes alternativas são normalmente pulverizadas em pequenas iniciativas. A geração de eletricidade a partir da queima do bagaço de cana, por exemplo, é dispersa em cada usina produtora de álcool. 

Outro exemplo é a possível substituição do chuveiro elétrico — uma aberração responsável por cerca de 30% do consumo doméstico de eletricidade — por aquecedores solares. Não há usinas de energia solar nem redes de distribuição, pois ela é produzida diretamente por coletores instalados no telhado das residências ou prédios. Em Belo Horizonte, o aquecimento solar virou moda, a ponto de valorizar casas e apartamentos que o possuem. Em São Paulo, acaba de ser aprovado na Câmara Municipal um projeto de lei obrigando o emprego do aquecimento solar em empreendimentos comerciais que usam muita água, como hotéis, hospitais ou escolas, e em residências com mais de três banheiros. A gritaria do contra, é claro, já começou.

Os donos do poder político e econômico preferem a centralização, como mostra o exemplo do projeto de transposição do Rio São Francisco. Vários especialistas já cansaram de publicar artigos e de dar entrevistas avisando que a transposição não vai acabar com a escassez de água no semi-árido nordestino. Servirá, sim, para levar água a grandes fazendas. Para metade da população mais atingida pela seca, entretanto, não sobrarão nem respingos. Os mesmos especialistas também dizem sempre que não há falta de água no Nordeste, há má gestão dos recursos hídricos. E, para matar a sede da população, é bem mais eficiente construir cisternas para armazenar água da chuva do que gastar bilhões de reais na transposição.

Um exemplo de como soluções pequenas podem mudar a vida das pessoas foi mostrado no programa Globo Rural, em maio. No Vale do Jequitinhonha (MG), uma das regiões mais pobres do Brasil e parte do semi-árido, a água da chuva cai forte sobre a terra desmatada desde o tempo do garimpo e carrega os sedimentos nas enxurradas morro abaixo, provocando erosão e assoreando os rios. Há dez anos, o agrônomo Luciano Cordoval, da Embrapa Milho e Sorgo, levou para lá uma técnica de construção de mini-açudes adaptados ao cerrado e ao semi-árido.

Chamados de barraginhas, os reservatórios cavados nos sítios dos pequenos agricultores ajudam a reter a água da chuva, recompondo os lençóis freáticos e proporcionando ao solo umidade suficiente para garantir as lavouras. Oitenta mil barraginhas depois de iniciado o projeto, os agricultores conseguem plantar e colher para seu próprio sustento, além de vender o excedente nas feiras locais. Cada barraginha custa 100 reais e sua construção é financiada por parcerias entre prefeituras, Igreja Católica e doações de empresas.

Pensar pequeno e adotar medidas simples e baratas não traz soluções apenas a países pobres como o Brasil. Até os ricos estão começando a enveredar por elas. Em fevereiro, a Austrália — que não ratificou o Protocolo de Kyoto — anunciou que vai substituir no país todas as lâmpadas incandescentes por fluorescentes até 2010. Embora um pouco mais caras, as lâmpadas fluorescentes duram dez vezes mais e consomem quatro vezes menos energia. Dois meses depois, o Canadá também prometeu acabar com as lâmpadas incandescentes até 2012. Alguns Estados americanos e vários países europeus estão desenvolvendo programas ou projetos de lei para seguir o mesmo caminho. A matriz energética da Austrália é considerada suja, pois a geração de eletricidade é fortemente baseada nas termelétricas a carvão mineral, o pesadelo da emissão dos gases de efeito estufa. Se todo o mundo seguisse o exemplo australiano, calcula-se que a economia de energia permitiria o fechamento de 270 termelétricas a carvão.

Ou seja, a iniciativa banal de substituir lâmpadas perdulárias por outras mais eficientes é uma poderosa aliada no combate a um gigantesco problema de escala mundial — o aquecimento global. Empresas envolvidas nesse mercado também estão entrando no jogo. A Philips já avisou que pretende deixar de produzir lâmpadas incandescentes até 2016, enquanto outras grandes fabricantes, como General Electric e Osram Sylvania, investem em projetos para substituí-las por fluorescentes. O Wal-Mart, maior varejista do mundo, tem um programa para duplicar a venda de lâmpadas fluorescentes em suas lojas.

No Brasil, as empresas do setor energético têm dinheiro sobrando para investir. Se não for em hidrelétricas, será em termelétricas — a carvão, já que não há gás natural que chegue para tanto. Os altíssimos custos ambientais e sociais, os interesses da sociedade e a preocupação com a sustentabilidade não são levados em conta nessa equação, em que o importante para as empresas é ocupar mercado e gerar lucro. Associar o lucro à sustentabilidade das próprias empresas e do planeta ainda é conversa para o futuro. Até lá, pelo menos os governos poderiam botar o pé um pouco mais para o lado de cá, incentivando também as pequenas soluções. Provavelmente esses governos perderiam as próximas eleições, mas ganhariam um lugar na História por ter a coragem de tomar as decisões mais adequadas para a sociedade de hoje e para os que ainda vão nascer.

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