(publicado originalmente na revista Adiante no distante ano de 2007, ou 2006, sei lá)
Enquanto houver seres humanos dispostos a viver sob
o conforto da água quente para o banho, do transporte motorizado, das lâmpadas
que iluminam suas noites e das bugigangas eletrônicas vitais para o trabalho e
o lazer, o mundo precisará de cada vez mais energia. De acordo com o relatório World
Energy Outlook 2005, da Agência Internacional de Energia (AIE), a demanda
energética mundial vai crescer 50% até o ano 2030. Se tudo continuar como hoje,
os combustíveis fósseis ainda serão a principal fonte de energia, respondendo
por 83% do total. Não por acaso, as emissões de gases de efeito estufa seguirão
o mesmo rumo, aumentando em 52% nesse período. Ao apresentar o relatório, o
próprio diretor-executivo da AIE, William C. Ramsay, reconheceu que esse não é
um caminho sustentável.
Suprir o mundo de energia é uma escolha entre duas
lógicas: buscar as fontes mais acessíveis e baratas, ignorando os impactos
socioambientais que elas provocam e a finitude dos recursos naturais, ou
reconhecer que a Terra é grande mas não é duas — portanto, é melhor aprender a
usar melhor a energia já disponível e conter a voracidade dos que pedem sempre
mais. No Brasil, as duas lógicas têm se materializado nos embates entre ambientalistas
e representantes do setor elétrico, estes acusando aqueles de serem os arautos
do apagão e os capitães do atraso econômico ao condenar a construção de novas
hidrelétricas. Alegam que o país precisa crescer e, se não for à custa de
eletricidade gerada pela água, será ao sabor dos combustíveis fósseis, com
usinas termelétricas movidas a gás natural e a carvão mineral. Como se esse
fosse o único caminho.
E como se o padrão atual de consumo de energia fosse
uma espécie de determinação genética, ou um dom divino que não cabe aos homens
mudar. Nascemos assim, fazer o quê? Fundamos nossa sociedade no desperdício
energético, que mais nos resta a não ser a resignação e a construção de novas
hidrelétricas na Amazônia ou em cima de florestas de araucárias no Rio Grande
do Sul?
Ora, restam as fontes alternativas e a eficiência
energética. Simples assim. A busca pelo uso mais racional da energia de que já
dispomos não está restrita aos círculos ambientalistas. Em maio, uma parceria
do Banco Mundial e do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente)
apresentou o relatório do Three Country EE Project (www.3countryee.org) , um estudo que
visava encontrar meios de reduzir a emissão de gases de efeito estufa pela eficiência
energética em três dos grandes emissores de hoje e de amanhã: Brasil, China e
Índia. As conclusões foram resumidas por Robert Taylor, especialista em energia
do Banco Mundial e líder do projeto: “aumentar a eficiência energética de
prédios e outras infra-estruturas existentes poderia cortar o consumo atual de
energia em mais de 25% na Índia, na China e no Brasil, chegando a uma redução
de milhões de toneladas de gases de efeito estufa emitidos e centenas de
milhões de dólares em economia de energia”.
O crescimento econômico não vem necessariamente
acompanhado do aumento do uso de energia na mesma proporção. Nos Estados
Unidos, hoje se usa 47% a menos de energia para gerar cada dólar do PIB do que
em 1970. Idéias, projetos e cálculos para mostrar a viabilidade da eficiência
energética não faltam pelo mundo afora. Um exemplo é o Instituto Rocky
Mountain, uma ONG americana especializada em consultoria para eficiência
energética. Com pequenas — e inteligentes — alterações na forma de se construir
casas ou edifícios comerciais, a economia de energia poderia chegar a 90% em
iluminação e ventilação ou a 60% em aquecimento ou resfriamento do ambiente. O
Departamento de Energia dos Estados Unidos financia o projeto Zero Energy
Homes, no qual o objetivo é projetar casas que consumam entre 90% e 100% a
menos de energia do que uma tradicional. Com o uso de aparelhos extremamente
eficientes, gás natural para calefação e energia solar para aquecer água e
gerar energia elétrica, algumas dessas casas experimentais chegam a produzir
mais energia do que consomem.
No Brasil, a organização não-governamental WWF, em
parceria com a Unicamp (Universidade de Campinas) e a International Energy
Initiative, apresentou em setembro o relatório Agenda Elétrica Sustentável
2020. A sustentabilidade do setor elétrico, diz o relatório, será alcançada
com investimentos em dois caminhos: eficiência energética e fontes limpas ou
renováveis, como eólica, solar (térmica e fotovoltaica), PCHs (pequenas
centrais hidrelétricas) e biomassa. Dessa forma, em 2020 haverá redução de
demanda de energia elétrica em até 38%. Essa economia equivale a evitar a
construção de 60 usinas nucleares como Angra III, ou 14 hidrelétricas como Belo
Monte, ou 6 hidrelétricas como Itaipu. A área inundada por lagos das
hidrelétricas seria sete vezes menor do que o previsto. Além disso, R$ 33
bilhões seriam economizados das contas de eletricidade. Se as fontes
alternativas e renováveis alcançarem 20% da matriz energética nacional em 2020,
o país ainda leva o benefício da geração de 8 milhões de empregos. Para que
essas metas sejam atingidas, são necessários instrumentos de políticas públicas
como uma Lei de Eficiência Energética que estabeleça metas de eficiência,
principalmente para indústrias, e ampliação do Proinfa (Programa de Incentivo
às Fontes Alternativas de Energia Elétrica).
As vozes do contra não tardaram a se levantar.
Durante a apresentação do relatório, Maurício Tomalsquim, presidente da Empresa
de Pesquisa Energética (ligada ao Ministério de Minas e Energia), criticou a
defesa da eficiência energética como modelo, segundo reportagem publicada no
site O Eco. Tomalsquim atacou a premissa do relatório de que o consumo
per capita do Brasil continuaria estável. Isso pressupõe também que o nível de
vida dos brasileiros não vai melhorar, pois conforme cresce a renda, mais
eletrodomésticos vão sendo somados à decoração da casa — hoje uma geladeira,
amanhã um televisor, semana que vem um DVD. Talvez isso seja verdade em um
mundo acostumado ao desperdício. Na Califórnia, entretanto, Estado americano
pioneiro no enfrentamento dos problemas ambientais, o consumo per capita de
energia está quase estável há 30 anos, enquanto no resto dos Estados Unidos
aumentou em 50%.
Há apenas cinco anos, os cidadãos brasileiros também
mostraram que é possível viver com o mesmo conforto e 20% a menos de
eletricidade em seu cotidiano. Obrigados a fazer isso pelo racionamento de
energia elétrica, correram a substituir lâmpadas incandescentes pelas
fluorescentes, aposentaram geladeiras velhas e gastadoras e trocaram-nas pelas
mais eficientes — reconhecidas imediatamente nas lojas pelas etiquetas do
Inmetro e do Procel estampadas em suas portas. E se lembraram de apagar as
luzes dos cômodos vazios. Na escassez, a mão pesada do governo não perdoou
ninguém. Ou os consumidores aprendiam novos hábitos ou ficavam sem
eletricidade, sem choro, com vela.
Novos hábitos como esses fazem bem não só aos
consumidores, mas também ao país e aos recursos naturais preservados. Mudar a
maneira de agir deve ser uma atitude acompanhada da mudança da maneira de
pensar. Insistir nas mesmas fórmulas, só porque estão dando certo, pode ser um
equívoco. E um prejuízo. Durante uma palestra em São Paulo, em agosto,
Christopher Flavin, presidente do Worldwatch Institute, lembrou que, apesar de
os combustíveis fósseis serem dominantes, o sujeito mais rico da China hoje é
executivo de uma empresa de energia solar, a fonte de energia que mais cresce
no mundo (cerca de 33% ao ano). “Quem você queria ser em 1980: a IBM ou a Microsoft?
Queria dominar o mercado crescendo 5% ao ano ou ter 2% do mercado crescendo 30%
ao ano?”, perguntou Flavin.
Buscar alternativas às grandes hidrelétricas, seja
por meio de eficiência energética, seja pelo investimento em fontes
alternativas e renováveis, não é condenar o Brasil ao atraso. Pode ser
justamente o contrário.
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